MARÉS NEGRAS - ALERTA AO PERIGO NO ALGARVE

(Republicação de artigo inserido no site do CEMAL em 2003)

A possibilidade de ocorrência de um acidente ambiental na zona costeira algarvia deve ser uma preocupação real pois, quando acontecer, terá um impacto devastador para a região.

As consequências de um acidente desta natureza numa região que vive do Turismo, como é o caso do Algarve, podem ser catastróficas. Um acidente que tenha como cenário a zona do Cabo de S. Vicente p. ex., será um verdadeiro desastre em termos ambientais e sócio-económicos, especialmente se ocorrer durante a época estival. Aos efeitos directos somar-se-iam as repercussões sobre as actividades económicas não directamente dependentes do Turismo como a pesca, a aquacultura, os desportos náuticos, em suma, toda a vida económica da região seria posta em causa.

São enormes as pressões que a sociedade hodierna exerce sobre o ambiente. Antes de prosseguirmos com o tema titulado, analisemos alguns dados relativos à problemática da poluição das águas, numa perspectiva mais abrangente.

A Poluição das Águas
A maior parte dos poluentes atmosféricos reage com o vapor de água na atmosfera e volta à superfície sob a forma de chuvas, contaminando, pela absorção do solo, os lençóis freáticos.
Nas cidades e regiões agrícolas são lançados diariamente cerca de 10 biliões de litros de efluentes que poluem rios, lagos, lençóis subterrâneos e sistemas marinhos.
Os oceanos recebem boa parte dos poluentes dissolvidos nos rios, além do lixo dos centros industriais e urbanos localizados no litoral. O excesso de material orgânico no mar leva à proliferação descontrolada de microrganismos, que acabam por formar as chamadas "marés vermelhas" - que matam peixes e deixam os mariscos impróprios para consumo.


Exemplos de poluição da água no mundo
Na Grã-Bretanha cerca de 1 milhão e meio de litros de esgoto são descarregados todos os dias para o mar através de condutas ao longo da costa. Além disso, aproximadamente dois milhões de toneladas de lixo tóxico são descarregados para o mar todos os anos.
As baleias Belugas que vivem nas águas do rio S. Lourenço, no Canadá são as únicas baleias de água doce do mundo. São brancas e tóxicas. Os perigosos produtos químicos que se têm vindo a acumular no rio durante os últimos 40 anos são transferidos ao longo da cadeia alimentar para as Belugas. Os tecidos das baleias contêm tais concentrações destes químicos que, segundo a lei canadiana, aos seus corpos tem que ser dado o destino especial dos lixos tóxicos.

Desde 1940 os Estados Unidos acrescentaram 70.000 novas substâncias químicas ao ambiente. Estas, encontram o seu caminho para os solos, água e... para a nossa alimentação. Ninguém está a salvo, todos somos vítimas da poluição.
As indústrias dos Estados Unidos geram cerca de 40 milhões de toneladas de detritos tóxicos por ano, 90% dos quais, segundo as estimativas da E.P.A. (Environment Protection Agency), são inadequadamente libertadas no ambiente (sem o devido tratamento). Os EUA não são os únicos.

Há muitos outros países industrializados produtores de substâncias tóxicas.
Estima-se que a água potável dos EUA tem 2100 químicos tóxicos potenciadores de cancro, mutações celulares e problemas nervosos. As centrais de tratamento existentes não estão preparadas para remover os novos químicos tóxicos, e estes actuam mais rapidamente do que as decisões de regular e fiscalizar as taxas de contaminação.

A poluição dos mares
As principais áreas de preocupação são as que se encontram próximo de terra e de aglomerados habitacionais. O lixo da sociedade tornou-se uma praga para a vida marinha.
As tartarugas marinhas e as baleias ingerem sacos de plástico, que tomam por medusas, provocando-lhes a morte por asfixia. As aves marinhas ingerem pequenas bolas de polietileno que flutuam à superfície do mar; as aves sentem-se fartas e isso impede-as de se alimentarem adequadamente.

Nas ilhas Aleutas, no Pacífico Norte, a população de focas tem diminuído 10% ao ano, não devido à caça ou à diminuição das reservas de peixes, mas por serem apanhadas por cintas de embalagem e por tiras plásticas que mantêm unidas as latas de bebidas.

Anualmente, um milhão e meio de quilómetros de redes de pesca de "nylon" são lançadas ao mar e cerca de 100 quilómetros de rede acabam por perder-se, presas aos fundos, ou à deriva em meia-água. Essas redes continuam a "pescar", sem governo. Capturam e provocam o afogamento de tartarugas, focas, aves, golfinhos e baleias. Devemos ainda citar o caso do despejo de metais pesados no mar, altamente tóxicos para os seres vivos, que têm a tendência de se acumular nas cadeias alimentares, aumentando a sua concentração a cada estágio.

Desde há muito que os peritos marinhos argumentam que todos os novos compostos lançados nos rios e nos mares deveriam ser considerados potencialmente letais.

E eis-nos chegados a um dos mais preocupantes tipos de poluição, o que propusemos em tema: anualmente, cerca de um milhão de toneladas de óleo espalha-se pela superfície dos oceanos formando uma camada compacta de difícil absorção.

As Marés Negras
A poluição a que nos referimos é causada por hidrocarbonetos e outros produtos perigosos. Podem provir de acidentes marítimos tais como encalhes, afundamentos e abalroamentos de petroleiros e de outros navios que transportem cargas de hidrocarbonetos (crude, derivados de petróleo, nafta), combustível próprio ou mercadorias perigosas ou poluentes. Podem ser resultado de despejos deliberados: hidrocarbonetos oriundos da lavagem de tanques dos petroleiros; despejos de lastro, lavagens dos tanques de combustível, resíduos de combustível, águas das cavernas poluídas por hidrocarbonetos por qualquer tipo de navio ou então fruto de operações de imersão de resíduos produzidos em terra.

As conhecidas "marés negras" resultantes de grandes derrames provenientes de acidentes são a face mais mediática, e as suas consequências são conhecidas de todos: as imagens de aves cobertas de crude são tristes ex-libris do século XX, bem como os nomes de navios associados a esses desastres, como o Amoco Cadiz (França, 1978) ou o Exxon Valdez (Alaska,1989).

Os impactos sobre as comunidades marinhas são variados. Interferência na passagem dos raios luminosos, perturbando a actividade fotossintética do fitoplâncton, além de intoxicar directamente os microorganismos produtores.

A difusão do oxigénio do ar para o mar é também afectada (e vice-versa). E os efeitos seguem-se: desde a mortalidade de indivíduos por sufocamento físico, à contaminação química que inclui toxicidade, carcinogénicidade, interferência em processos biológicos e bioacumulação.
Toda a cadeia é afectada: plâncton, moluscos, crustáceos, aves, mamíferos. Os hidrocarbonetos causam o desaparecimento de populações mais sensíveis, provocam mudanças nas comunidades marinhas e a sua fixação nos sedimentos prolonga os efeitos da poluição durante vários anos após os derrames.
No que concerne à actividade humana, os impactes sociais e económicos no turismo e actividades recreativas, na indústria, pesca, aquacultura, portos e marinas podem ser arrasadores para algumas comunidades.

A grande maioria dos hidrocarbonetos derramados é proveniente de descargas operacionais (como lavagens de tanques). Essas descargas, na maioria das vezes intencionais, que atingem as costas de forma reduzida ou dispersa são difíceis de detectar (e sem meios aéreos ou de satélite, quase impossíveis), ficando a larga maioria dos infractores por conhecer e penalizar.

O acidente com o “PRESTIGE” lembra que o Ambiente não tem Fronteiras.


Portugal é um País essencialmente marítimo, a imensidão das águas sob jurisdição portuguesa não deixam esquecer que é a maior ZEE da União Europeia. Caricatamente, a dimensão do problema poderá vir a diminuir (artificialmente), com a redução da ZEE nacional, por imposição da União Europeia, o que parece prestes a acontecer.

Em Portugal sucederam-se, desde 1974, mais de 90 incidentes de poluição marítima; 20 originaram contaminação do litoral e 4 foram grandes derrames. O último grande acidente aconteceu em Porto Santo com o navio Aragón em 1989 derramando 30.000 toneladas de petróleo bruto.

Se na direcção dos grandes centros industriais os petroleiros vão carregados e constituem um risco em termos de acidentes, é sobretudo quando voltam lastrados que ocorrem mais descargas operacionais.

A costa portuguesa é particularmente sensível, não só pela falta de vigilância, mas porque os navios que se dirigem para o Mediterrâneo e não efectuaram descargas para estações de tratamento aproveitam para fazer tais descargas na nossa costa.

Em termos de tráfego marítimo a Zona Económica Exclusiva de Portugal é atravessada por algumas das mais movimentadas linhas de tráfego Atlântico.

Não há neste momento [2003] dados concretos, actualizados e disponíveis sobre o tráfego marítimo em Portugal, mas existem estimativas que apontam para uma média de 100 navios/dia a passar ao longo da costa continental ou cerca de 400 embarcações na ZEE portuguesa num determinado momento.

O grosso do tráfego no atlântico nordeste faz-se na linha mais junto à costa que atravessa os Esquemas de Separação de Tráfego (EST - corredores “virtuais” que ordena o tráfego marítimo em sentidos diferentes em zonas com muito tráfego, para evitar colisões) do Cabo da Roca, Cabo de S. Vicente, Largo das Berlengas.

A análise dos fluxos mundiais de petróleo mostra que muito do tráfego de crude passa ao largo da costa portuguesa. Estima-se que cerca de 12 petroleiros cruzam por dia a ZEE Portuguesa, passando principalmente junto à costa continental, transportando 30% do crude mundial. Estes factos levam a qualificar a zona como “de alto risco permanente de ocorrência de incidentes graves de poluição marítima com origem em navios”.

Face à gravidade desta questão é, pois, preciso prevenir os acidentes, combater o oportunismo e desrespeito dos derrames intencionais e preparar planos de acção para fazer face a emergências. Para o grupo ambientalista GEOTA, são urgentes as seguintes medidas:
- melhor articulação e comunicação entre os intervenientes no Plano Mar Limpo (PML);
- implementação do sistema de cooperação regional preconizado pelo Acordo de Lisboa; reforço das inspecções feitas pelo Estado do Porto, e também pelo Estado de Registo (de bandeira), para que se garanta que os requisitos emanados pela IMO e pela UE, nomeadamente, referentes à construção, manutenção e operação dos navios, formação/treino e segurança das tripulações, e protecção do meio marinho;
- fiscalização mais rigorosa aos navios registados em Estados, cujos registos se sabe pertencerem às chamadas bandeiras de conveniência;
- total implementação da regulamentação relativa à vigilância costeira através de meios electrónicos (VTS). É urgente que Portugal termine o trabalho já iniciado. É necessário termos presente que só é possível afastar o tráfego marítimo das nossas águas (nomeadamente os esquemas de separação de tráfego - EST - de Cabo de S. Vicente, Cabo da Roca e Berlengas) caso o referido sistema de vigilância seja operacionalizado;
- implementação de corredores de tráfego especiais para navios que transportem produtos perigosos;
- implementação de PSSA’s (Particulary Sensitive Sea Areas - Zonas Marinhas Particularmente Sensíveis). Esta é uma das medidas preconizadas pela IMO como forma de manter o transporte marítimo afastado de áreas sensíveis;
- implementação dos tratados internacionais relativos à protecção e conservação do meio marinho, sobretudo os que visam o estabelecimento de sistemas de cooperação regional e internacional com vista à prevenção e ao combate à poluição marinha.


25 DEZ. 2002 - Praia do Porto Mós - Lagos
milhares de nódulos de nafta e algumas aves mortas deram à costa.

As consequências de um acidente deste tipo numa região virada para o Turismo, como é o caso do Algarve, podem ser catastróficas.
Ao invés de outro tipo de acidente a que estamos sujeitos, o meio marinho não poderá ser reabilitado com a mesma facilidade com que se fazem replantações de pinheiros ou eucaliptos, após a devastação dos incêndios florestais.

Este artigo teve por base as seguintes fontes:
“A poluição da água” - Rafael Barros - Ciência Hoje.
“PRESTIGE” lembra que o Ambiente não tem Fronteiras - GEOTA – grupo de estudos de ordenamento do território e ambiente.
Dados do InfoZEE - O Sistema de Informação para a Vigilância e Gestão da Zona Económica Exclusiva - Joanaz de Melo; Francisco Andrade; Pedro Gonçalves; Pedro Santana; Pedro Leitão; João Piedade; Joaquim Rocha Afonso.
fotos: excepto as duas últimas, todas as outras são da net

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