Xávega e Chinchorro

Xávega e Chinchorro
duas artes diferentes
(actualizado em Jul 2013)


Em Julho de 2004 realizei uma reportagem fotográfica à faina da Xávega, na Meia Praia. Na altura alguém terá dito que se tratava da arte do Chinchorro, e assim identifiquei as fotos até que, algum tempo depois, percebi que a identificação estava errada e que se tratava, sim, da arte da xávega.

Há poucos dias, em conversa com amigos mais velhos, um deles referia que se lembrava muito bem de, nos seus tempos de juventude, em finais dos anos 40 do séc. XX, ver as artes de chinchorro da Meia Praia na sua faina de pesca, tal como hoje acontece.

Ora, se existiu alguma arte do chinchorro naquela praia não o sei dizer, e não me parece improvável, mas a arte que ali labora actualmente, e o faz há muitos anos, é a xávega. Também não me parece improvável que em meados do século passado as gentes de Lagos, mormente as pessoas não ligadas à pesca, identificassem erradamente, como chinchorro, as artes da xávega ali existentes.

Para esclarecer as diferenças entre uma e outra, recorro aos conhecimentos de gente autorizada na matéria, nomeadamente Fernando Rebordão, Gaspar Albino e Miguel Carneiro, revelando de imediato que as principais diferenças entre as artes de pesca chinchorro e xávega respeitam à dimensão e a aspectos particulares da rede. A rede do chinchorro é muito menor do que a xávega embora sejam ambas artes de arrastar para terra. O chinchorro é constituído por uma rede de malha quadrangular, de dimensões constantes e em forma de funil; a xávega, também uma rede de malha quadrandular, é composta por duas mangas e um saco com malhagens diferentes; nas mangas a malha é mais larga, mais clara, junto ao calão, e vai diminuindo até ao saco, tornando-se mais expessa; no saco a malhagem aumenta do fundo para a boca.

Gaspar Albino, citando Domingos José de Castro, diz-nos: «A Arte de Xávega, do árabe xabaka, é um aparelho de pesca de arrasto demersal que, na nossa costa, é lançado pelo barco de mar. Partindo da praia, desloca-se até à distância consentida pelo aparelho e à praia regressa, iniciando-se, então, o arrasto propriamente dito. A xávega é, portanto, uma arte envolvente de arrastar pelo fundo e alar para a praia, constando o aparelho, ou arte, de um saco prolongado por duas asas ou mangas, nos extremos das quais se amarram os cabos de alagem ou calas. É constituída por um extenso pano de rede de malha quadrangular, interceptado, ao centro, por um saco do mesmo género: o espaço da intercepção corresponde à boca do saco e designa-se pelo nome de bocada: às duas fracções do pano, que se desenvolvem para cada lado desta, dá-se o nome de mangas, que, desde a junção à bocada, decrescem em largura até à extremidade oposta, que tem o nome de calão, ponta da manga onde se prendem as calas, que são os cabos de alagem deste sistema de aparelho de pesca»

Continuando a ler Gaspar Albino, sobre a xávega: «O saco, de forma trapezoidal, andava pelos 70 metros de circunferência, 40 de profundidade e 8 de largura, na cuada ou fundo do saco. A malhagem era, somente, de 1cm, na cuada, até atingir 6,5cm, na bocada, que era guarnecida, na sua parte superior, por uma cortiçada – flutuadores de cortiça – e, na sua parte inferior, era lastrada por tijolos. Cada uma das mangas tinha 230metros de comprimento, começando por uma largura de 25metros, na parte do saco, e decrescendo até 20metros no calão. As mangas eram constituídas por panos de fio singelo de malha, que só era dobrado junto à bocada. Ao longo das mangas, pela parte de cima e por um e outro lados, corriam, paralelamente, duas linhas, a uma distância de 35cm e guarnecidas com pandas, bocados de cortiça que suspendiam o aparelho a uma altura de água que nunca deveria exceder a da bocada. Pelo lado de baixo, mais duas linhas guarnecidas de discos de barro cozido – pandulhos ou bolos – lastravam as mangas, para que o aparelho arrastasse mesmo pelo fundo. Nas extremidades de cada uma das mangas, eram presos por uma corda barris estanques, chamados balizas ou arinques. Um outro barril – o clime – era colocado na cuada do saco. (…) O aparelho era feito de fio de linho que era, depois, posto numa infusão de casca de salgueiro, ficando com uma cor acastanhada, para não assustar o peixe. As mangas, para além do encasque, eram passadas por um banho de alcatrão. As calas de alar o aparelho podiam ser de linho ou de esparto e eram divididas em rolos, partes que se emendavam umas nas outras. Estes rolos chamavam-se cordas, quando eram singelos; cabos, quando eram dobrados; e orlas, quando eram triplos. O número de rolos, que constituíam as calas, variava de praia para praia, podendo ir de 160 rolos de 60metros cada, até 29 rolos de 99 metros cada. Isto define que os barcos de mar se poderiam afastar da praia, de 2.800 até 9.600metros, para lançar o aparelho de pesca. As calas eram transportadas, do palheiro da praia até ao barco, rolo a rolo, por vários grupos de 2 homens munidos de um bordão, colocado ao ombro. A rede era levada em procissão pelos tripulantes, colocando-se, no barco, primeiro, a manga inicial, depois, o saco, seguido da segunda manga; por fim, colocava-se, a bordo, o reçoeiro – isto é: a cala de recolha da arte para terra.»

A pesca com xávega não é herança árabe exclusiva de Portugal, pratica-se no sul de Itália, onde tem o nome de “sciabica”; na catalunha denomina-se “jabega”, e na galiza “xabega”. O enquadramento legal desta actividade piscatória assenta na Portaria n.º 1102-F/2000 de 22 de Novembro, que estabelece que a Pesca por Arte Envolvente-Arrastante só pode ser exercida com a chamada arte de xávega, arte de alar para terra.

  
Xávega na Meia Praia

A Xávega é uma arte de pesca de arrasto, que executa um cerco que varre o fundo arenoso numa extensão variável, em arco, compreendida entre 500 e 1000 metros.
A rede largada pela barca, ou calão, fica ligada a terra pelos cabos e é, depois, arrastada para a praia, puxada a força braçal ou por bois, capturando o peixe que se encontra dentro do cerco. Embora com grandes variações de local para local, dependendo da extensão da arte, do tamanho do barco e da força que se usa para alar a rede (braçal, bois, tractores), opto por uma descrição mais consentânea com a existente na Meia Praia – no passado existiram artes de xávega enormes, que descreviam uma extensão de 2 ou 3 milhas e ocupavam uma tripulação de quatro dezenas de homens e mais de uma centena em terra para alar a rede. Não é esse o caso da Xávega da Meia-Praia, uma arte de envergadura mais modesta.
Assim, o barco é lançado ao mar com o recurso a barrotes de madeira que vão sendo colocados à sua frente, e por onde ele escorrega empurrado pelo pessoal. Uma ponta do cabo que irá puxar a rede fica logo presa em terra. De regresso, já com a rede na água, o barco traz à praia a outra ponta do cabo que irá, em conjunto com a primeira, permitir alar a rede.
A rede é composta por um saco – de secção trapezoidal feito em malha apertada, expessa – cuja boca se prolonga para um e outro lado, ao longo de extensas mangas ou alares, diminuindo a sua altura para as extremidades cujo comprimento é, em média, de cerca de seis vezes o comprimento do saco.
A flutuação para a abertura do saco é dada pela cortiçada, fixada na estralha (o corcho), enquanto na parte inferior, no prumo, o lastro de chumbicas garante a verticalidade da rede e o seu funcionamento rasante ao fundo.
Facto curioso: este tipo de pesca conserva a particularidade de ser aceite pela companhia a ajuda de quaisquer pessoas que desejem participar, tendo estas também um quinhão da pescaria. Não é pois de estranhar, durante a época estival, deparar com um cenário de citadinos e até turistas estrangeiros, ajudando na faina, logo pela manhãzinha.

Xávega na Meia Praia - Lagos, 2004.07.24: fotos de Francisco Castelo





Xávega na Meia Praia - Lagos, 2013.07.25: fotos de Francisco Castelo










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13 de março de 2013
Resposta dada por Maria Damanakiem em nome da Comissão
A Comissão reconhece plenamente a importância da pequena pesca, de que a Arte Xávega é um exemplo, bem como o papel vital que desempenha no tecido social e na identidade cultural de muitas regiões costeiras da Europa.
As artes e as práticas de pesca individuais não são protegidas enquanto tal pela UE. Por conseguinte, conquanto a Arte Xávega seja, reconhecidamente, um método de pesca pouco prejudicial para o ambiente, à semelhança de outros tipos de artes de cercar, como as redes de cerco dinamarquesas ou as redes envolventes-arrastantes de alar para a praia, a arte utilizada seria classificada como uma arte ativa, sujeita a todas as medidas técnicas de conservação pertinentes, entre as quais as relativas à malhagem, à construção de artes de pesca, à composição das capturas e aos tamanhos mínimos de desembarque.
Os pescadores são livres de diferenciar os seus produtos, recorrendo a regimes de certificação, valorizando-os e promovendo-os enquanto pescado capturado de forma responsável. Nesta matéria, o Fundo Europeu das Pescas (FEP)(1) prevê a possibilidade de os Estados-Membros concederem assistência financeira a um determinado número de medidas especificamente orientadas para a promoção de produtos capturados na pequena pesca. Está disponível financiamento para a promoção de produtos obtidos por métodos pouco prejudiciais para o ambiente, bem como para a certificação da qualidade, incluindo a criação de rótulos e a certificação de produtos capturados através de métodos de produção respeitadores do ambiente. A pesca com a Arte Xávega poderia ser elegível para esse tipo de auxílios.

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Pesca tradicional da Arte Xávega volta à praia de Sesimbra
30/04/2013
A partir de 1 de Maio e até 31 de Outubro, a arte xávega volta à Baía de Sesimbra. Esta pesca tradicional decorre na Praia da Califórnia, às segundas, quintas e sábados, e na Praia do Ouro, às quintas, sextas e sábados, das 6h00 às 9h00 e das 19h00 às 21h00, num contexto turístico-cultural, ao abrigo de um protocolo entre a Câmara Municipal de Sesimbra, e os proprietários das três embarcações autorizadas pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas – Parque Natural da Arrábida.
A arte xávega na Baía de Sesimbra consiste numa pesca de cerco feita com o apoio de uma aiola, embarcação típica de Sesimbra, para largar a rede no mar. Após o cerco, a rede é puxada a partir de terra por pescadores distribuídos por dois cabos, que se vão juntando à medida que se aproxima o saco com o peixe.
Exercida desde tempos remotos, a arte xávega faz-se também na Praia do Moinho de Baixo, na Aldeia do Meco com a ajuda de tratores que ajudam os pescadores a trazer a arte para a praia.
Entre as espécies mais capturadas pela xávega contam-se os carapaus, sardinhas, cavalas, salmonetes, sargos, robalos, linguados, douradas, chocos e lulas.

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Fontes Consultadas:
ALBINO, Gaspar  - A ARTE DA XÁVEGA http://www.jf-quiaios.pt/home.php?t=ct&c=41
REBORDÃO, R. F. -  Classificação de artes e métodos de pesca. Instituto de Investigação das Pescas e do Mar. Publicações avulsas do IPIMAR, Lisboa.
http://www.cm-sesimbra.pt/pt/conteudos/o+concelho/patrimonio/patrimonio+etnologico/arte+xavega+chincha/
http://www.angelfire.com/wv/xavega/
http://www.freguesia-nazare.com/jf/index.php?Itemid=43&id=54&option=com_content&task=view
http://topazio1950.blogs.sapo.pt/141337.html
http://olharesdistantes.blogspot.com/2007/07/arte-da-xvega.html
http://www.vagueira.com/artexavega.html
http://www.jornaldascaldas.com/index.php/2008/06/11/arte-xavega-na-nazare/
http://www.tintafresca.net/News/newsdetail.aspx?news=294aa33f-2c17-4f33-a85f-853a04361904&edition=55
CASTELO, Francisco - Fotos da Xávega na Meia Praia




1 comentário:

Maria disse...

Belas fotografias!
Era assim a vida nessa cidade que eu gostava tanto|
Agora já não conheço Lagos...!