Lagos, séc XVII


Esta Gravura pretende reproduzir Lagos no séc. XVII. Foi publicada na Revista “O PANORAMA”, Nº 45 de 5 de Novembro de 1842 - 2ª Série Vol. 1, Página 353, e daí para cá reproduzida em vários livros sobre Lagos.
Porém, num deles, recentemente publicado em Lagos, a imagem foi obtida, sob licença, do exemplar da gravura (original?) existente no Arquivo Municipal de Lisboa.
Para melhor compreendermos a origem da gravura atentemos no que é dito na página 210 do Nº 27 da mesma revista, respeitando à proveniência desta gravura e de uma outra de Silves: “…o nosso desenho, copiado de um álbum, feito ao que parece no fins do século 17…”.
Este “feito ao que parece” com a fragilidade da certeza assim evidenciada bem como a tipologia do veleiro maior reproduzido na gravura – bordo corrido, forma dos dois estais – levam-me a duvidar que a gravura tenha sido executada antes de meados do século XVIII. Convém referir que, certamente, tratar-se-á de uma gravura feita “de memória”, quer a paisagem tenha sido vista pelo próprio artista quer transmitida por outrem. Os especialistas em gravuras saberão identificar, e localizar cronologicamente, a assinatura do autor “coelho”.
Aspecto interessante: a Ermida de S. Roque – canto direito inferior - edificada em 1490 e destruída pelo terramoto de 1755.

9 comentários:

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Como referi algures, volto para comentar a reprodução duma vista da cidade. A gravura parece-me interessante, não tanto pelo que mostra, mas pelo que intriga.

Não tendo qualquer conhecimento sobre o assunto, muito especializado, fico com a sensação de que os barcos mostrados não se encaixam bem no século XVII. Barcos assim, grandes e de dois mastros, não seriam típicos da zona, nem eventualmente pesqueiros; poderiam, talvez, ser cargueiros, e com eles o autor pretenderia representar a actividade comercial exportadora da cidade. Mesmo que pertencentes a esta categoria, continua a parecer-me serem barcos mais modernos do que os que seriam usuais no século XVII.

A representação da Ermida de S. Roque, sabendo-se que foi destruída pelo terramoto, pode indiciar uma origem anterior a este evento calamitoso. Resta saber se não terá existido uma reconstrução posterior. Durante muitos anos continuaram existindo edificações no local, o qual era conhecido por essa designação. Recordo-me, por exemplo, de em tempos essas edificações terem sido usadas pelo industrial Reinaldo Assunção, que lá armazenava em estiva o biqueirão. E a representação isolada do que me parece ser a Ermida de S. João Baptista, sem a presença de duas ou três casas que simbolizassem a Aldeia, pode também indiciar uma origem anterior ao terramoto.

As casas que aparecem a meio do rio, à direita, eventualmente, poderão representar edificações de estaleiros que existissem na parte mais assoreada, protegida pelas dunas onde se edificava a Ermida. Também durante muitos anos aí continuaram existindo estaleiros de construção naval, antes do local se ter transformado num cemitério de embarcações (que foi como eu o conheci, na segunda metade do século XX).

O que me parece mais intrigante são dois ou três pormenores. Um refere-se à inexistência de panos de muralha cercando a cidade. Não tenho presente se a origem da cerca é anterior ou posterior ao terramoto, mas a datação da sua construção pode ser uma boa ajuda para situar no tempo a representação. Outro refere-se ao reduzido número de igrejas e de ermidas representadas, coisa que não passaria despercebida a um observador mesmo descuidado. E sabe-se que no curto período em que a cidade foi capital do reino e sede do bispado proliferaram os estabelecimentos de culto e de recolhimento de freires e de freiras. Por último, a não representação da Ermida de S. Amaro, de edificação anterior ao terramoto, que seria visível na perspectiva representada, até por ficar isolada e num monte sobranceiro à cidade.

As gravuras reproduzem desenhos, contemporâneos ou anteriores, e a reprodução pode ser fiel ou não. Como muitas outras, esta pode basear-se em desenho ou noutro tipo de representação pictórica de época anterior, e o seu autor pode eventualmente ter introduzido elementos contemporâneos, não constantes do original, ou modernizado alguns, como poderá ter acontecido com os barcos. Como está identificada a autoria, poderia não ser difícil a especialistas identificarem a data da sua produção, se este fosse assunto que prendesse o seu interesse. De qualquer modo, a datação da gravura, sendo um bom ponto de partida, pode ser insuficiente para situar no tempo a representação da cidade.

JMC.

francisco disse...

Caro amigo JMC.

1º - O local da extinta ermida de S. Roque não será o mesmo das posteriores instalações utilizadas pela firma Fialho e pelo Reinaldo.
A construção patente na gravura deverá ser a ermida e não relativa a essas instalações, que terão surgido muito mais tarde, após o terramoto. Direi mais em artigo a publicar em Julho, mas que só postarei aqui depois da sua publicação na Agenda Cultural da autarquia.

2º - A ermida de S. João Baptista é, obviamente, anterior ao terramoto, conhecendo-se referências a intensa procura por parte dos devotos em finais do séc. XV, mas atribuindo-se-lhe edificação inicial por volta do séc. IX.

3º - As muralhas da cidade estão lá, são aquelas estruturas “atarracadas”, com baluartes e revelins – é preciso compreender a forma de representação pictórica da época. A cerca velha é medieval e a cerca nova conheceu várias intervenções desde o século XV ao XVIII. O que não está lá é o Forte Ponta da Bandeira, construído entre 1679 e 1690. Facto que permite garantir que a gravura não representa Lagos em data anterior a 1690, embora me pareça que o seu limite temporal inferior se situe por volta de 1730/40.

4º - As Igrejas também lá estão. Se observar com atenção verificará a Torre de St. António, a Igreja de Santa Maria, a de S. Sebastião e mais imponente, o Convento dos Franciscanos (Nossa Senhora da Glória). As restantes, se existiam ainda, e porque possuíam menor volumetria, terão recebido o mesmo tratamento do casario, relativamente simplificado e amalgamado numa massa urbana.

5º Concordo com a última parte da sua apreciação. O autor poderia ter incluído elementos contemporâneos, como os barcos p. ex. Acho que os conhecedores dos desenhadores e gravadores deste período saberão datar a gravura com grande facilidade, infelizmente não é o meu domínio e nem tenho disponibilidade para pesquisar. Mas talvez um investigador que em breve apresentará um trabalho sobre as muralhas de Lagos venha a trazer luz sobre esta gravura. Ainda hoje lhe coloquei a questão e mostrou-se muito interessado.

Saúde.

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Francisco.

O meu olhar de leigo não fez equivaler um baluarte visível à cerca da cidade; e também não distinguiu entre os dois barcos maiores, que são manifestamente de tipos diferentes, sendo que o de duas velas latinas poderia representar barco típico da região, restando como intrigante apenas o maior, de duas velas que não sei designar. Também não descortinou as igrejas conventuais cuja existência é anterior ao terramoto (as dos conventos das Carmelitas e da Trindade, por exemplo), que eventualmente poderão estar representadas.

As igrejas de Santo António, de Santa Maria e de São Sebastião, assim como o Convento de Nossa Senhora da Glória, dos freires franciscanos, são bem visíveis. Mas a outra que se localizava no sítio que durante muitos anos ficou conhecido como Porta da Vila (ao Rossio da Trindade), e que agora não recordo o nome, que julgo ter sido destruída pelo terramoto, não me parece que esteja. Assim como o convento das Carmelitas, que por se localizar noutro morro seria bem visível.

Na época do terramoto, uma das características mais relevantes da cidade, reveladora da sua anterior importância como capital do reino e sede do bispado, ainda que por pouco tempo, e que saltaria à vista de qualquer observador menos atento ou mesmo desprevenido, seria o número de locais de culto ou de clausura religiosa. Aliás, em época muito posterior, na minha juventude, por exemplo, uma das coisas que me surpreendia pessoalmente numa cidade tão pequena, confinada apertadamente entre o rio e a cerca, e nas suas redondezas próximas era precisamente o elevado número de igrejas, de ermidas e de conventos (de que de alguns apenas restavam ruínas, como o da Trindade e o de Nossa Senhora da Glória, onde durante muitos anos funcionou o matadouro municipal).

Quanto ao Forte, que também penso não estar representado, julguei que a sua construção fosse bem mais recente, do tempo do da Meia-Praia e de outros que integraram a rede de fortificações costeiras do Conde de Lippe. Mas, como você diz, se a sua construção se pode situar com alguma garantia de veracidade “entre 1679 e 1690”, este facto não permite a sua conclusão de que “a gravura não representa Lagos em data anterior a 1690”. Parece-me, aliás, que estando a construção do Forte bem datada e não integrando ele a cidade representada, a representação deverá poder situar-se, com idêntico grau de segurança, em data anterior à sua construção, isto é, anterior a 1690.

A sua conclusão de que a gravura no “seu limite temporal inferior se situe por volta de 1730/40” não é suportada pela premissa que apresenta (Forte não representado construído antes de 1690). Se pensar novamente, verificará que a conclusão implicada pela premissa em que se baseia é a inversa da que apresenta.

Se vejo bem a gravura e se as igrejas e conventos representados forem apenas os quatro já referidos; e se o Forte, pela sua imponência e localização destacada à boca do rio, que não lhe permitiria passar despercebido, é de construção anterior a 1690 e não se encontra representado, estes parecem-me ser factores importantes para poder datar do século XVII a vista da cidade que a gravura representa. A datação da gravura parece-me que será coisa distinta, provavelmente muito posterior, mas a legenda que a acompanha parece ser verosímil.

JMC.

francisco disse...

"Facto que permite garantir que a gravura não representa Lagos em data POSTERIOR a 1690". Tem toda a razão, caro JMC. No meio de tantos "factos", acabei por encontrar um que suportará a datação atribuída à gravura (é claro que me refiro ao momento que ela representa e não à data da sua execução - que podia ter sido ontem).
Ficarei apenas com a hipotética discordância do tipo de embarcações mas, mesmo tal aspecto nunca o tive por certo. Para isso será necessário o contributo de quem perceba de navios antigos.
Quanto aos outros aspectos também não posso avançar muito mais.
Obrigado pelo contributo.
Saúde.

francisco disse...

Entretanto fui colocar uma nota no post do Vieira Calado, sobre a mesma gravura, no Blogue Lagos.


Caro JMC, não sei se conhce o site do CEMAL, mas deixo-lhe o link de alguns artigos interessantes sobre Lagos, nomeadamente os de autoria de José Carlos Vasques.
http://www.fcastelo.net/cemal/_historiaC.htm

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Francisco.

Não tem de agradecer. Estes meios de comunicação modernos permitem a troca de impressões mesmo a distância, reduzindo o tempo de circulação da informação e melhorando o seu conteúdo.

Pelo que refere, está interessado em tentar identificar uma data verosímil para a gravura. Depois que chegou a esta fase do limite superior (1690, data da conclusão da construção do Forte), que a situa em época condizente com a legenda, poderá tentar apertar mais o intervalo.

Dois aspectos que poderão facilitar esse trabalho serão a Aldeia de S. João e o Convento das Carmelitas, que me parece não estarem representados. Se existirem elementos disponíveis permitindo datar a existência da Aldeia e a construção do Convento (que era não só um edifício imponente como albergaria uma comunidade religiosa significativa que se ocuparia na quintarola anexa), terá aí pistas para uma datação mais segura da época do século XVII que a gravura poderá representar.

JMC.

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Francisco.

Irei visitar i sítio que me indica.

Hoje procurei neste seu blog os posts referentes à colecção do Arez, a que fazia referência numa resposta que me deu noutro post, mas não os encontrei.

Agradeço que me indique os endereços, para dar uma vista de olhos.

JMC.

francisco disse...

hehehe...esta gravura já vai quase em observação microscópica.
Não, não tinha qualquer interesse especial em confirmar a data. Tudo isto aconteceu em consequência do post desta gravura no blogue Lagos, e do meu comentário lá, replicado aqui neste post, nada mais. Mas, entretanto, a coisa tornou-se interessante, só que eu não tenho disponibilidade para ir mais longe, por agora. Ando aqui às voltas com a Antropologia das Religiões pois tenho exame de hoje a oito dias.

Saúde.

francisco disse...

Caro JMC, aqui está o link:
http://caisdosul.blogspot.com/2009/04/modelismo-jose-antonio-arez.html

também se pode lá chegar clicando na palavra chave "modelismo" ali na barra à direita.

Saúde.