A Lancha da sacada, do Sotavento



«Durante largos anos deambulamos pela costa do Algarve, principalmente pelo Sotavento, na busca de um barco de pesca à vela, do tamanho e características que nos interessavam, e em condições que nos permitissem comprar, para transformar para passeio e pequenas viagens.
Idealmente, o tamanho teria que ser de 7 a 8 metros fora a fora, mas as características era obrigatório que fossem as dos barcos do Sotavento, que tinham uma diferença básica dos do Barlavento, as quilhas profundas. A razão desta diferença era que os barcos do Barlavento não tinham grandes exigências para boa navegação à bolina, para a qual é necessária uma quilha profunda. Isto porque os ventos dominantes locais, do quadrante norte, permitiam a navegação paralela à costa, portanto quase sem bolinar. Além disso, os barcos precisavam de calar o mínimo de água, para poderem varar na areia das praias das povoações. Com estas duas condições, as quilhas eram baixas, o que, por outro lado, era essencial para manter os barcos direitos junto das praias para carga e descarga, e para serem puxados para abrigo de segurança, em seco na praia, na falta de portos.
Mas no Sotavento, as quilhas profundas eram indispensáveis para que fosse muito eficaz a navegação à bolina, necessária nos apertados canais dos portos interiores da Ria Formosa. Como os barcos dispunham de acesso aos cais de águas profundas ou, querendo, podiam ficar fundeados a flutuar, aceitavam aquelas quilhas.
Nestas condições, os construtores do Sotavento tinham-se esmerado, desde tempos remotos, no apuramento das obras vivas dos barcos para a navegação à bolina, em que atingiram a quase perfeição, com óptimas condições marinheiras para todo o tipo de mareações.
Era um desses barcos que ambicionávamos conseguir, Eram as famosas lanchas da sacada do Sotavento. E, entre elas, as mais famosas eram as da Fuzeta. Mas estes barcos tinham desaparecido, com o advento dos motores fora de borda.
No Barlavento, como o desenho tradicional dos cascos permitiu a fácil adaptação para estes motores na popa, os barcos mantiveram-se e continuaram a ser construídos.
Pelo contrário, no Sotavento, não só a forma das saídas de água, à popa, dificultava a colocação dos motores, exigindo grandes cortes no painel, como as quilhas profundas já não faziam sentido e, na prática, reduziam a capacidade de manobra, a motor, em águas restritas. Assim, naturalmente, esses barcos foram abandonados e deixaram de ser construídos.»

In “Lagos e Outras Terras – memórias soltas e alguns pensamentos acerca de gentes da borda d’água, mar, rios e barcos” de Arq.º José Veloso, Lagos, Outubro 2008.




O "Larião", tal como a "Joana", é um dos seis exemplares construídos em Lagos, em fibra-de-vidro, a partir do desenho executado pelo Arquitecto José Veloso.
Este, infelizmente, parece que já não voltará a navegar, jazendo no "cemitério" local dos barcos abatidos ao serviço.
Ainda naveguei neste barquinho, pelo que é com alguma tristeza que o vejo neste estado.

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