Portugal consome 13 sardinhas
por segundo em Junho
Ricardo Garcia 31 de Maio de 2015to
A
sardinha bem pode estar a desaparecer, mas ainda assim Portugal consome 13
delas por segundo em Junho, mês das festas dos santos populares. Esta é média
dos últimos três anos, quando a pesca do peixe mais emblemático da costa
portuguesa atingiu mínimos históricos.
Em 2012
e 2013, foram vendidas cerca de 2500 toneladas de sardinhas descarregadas nos
portos nacionais em Junho, de acordo com dados da Docapesca, a empresa estatal
que gere as lotas. Em 2014, o número caiu para 1952 toneladas.
Traduzidos
em peixes, estes valores representam em média 35 milhões de sardinhas no mês
dos santos, segundo cálculos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera
(IPMA), com base em amostras recolhidas nos portos.
É mais
de um milhão de sardinhas por dia, 48 mil por hora ou 805 por minuto. Na
prática, é como se em cada segundo fossem servidas duas doses de seis unidades,
acrescidas de uma sardinha de brinde.
Podem
parecer números astronómicos, mas na verdade nunca foram tão baixos. Em 2014, a
pesca da sardinha atingiu o seu ponto mais fraco dos últimos 75 anos. Ao longo
de todo o ano, os pescadores portugueses e espanhóis capturaram nas águas
atlânticas da Península Ibérica apenas 28 mil toneladas. Há dez anos, as redes
apanhavam em torno de 100 mil toneladas e há 30 anos, 200 mil.
Durante
anos, ninguém imaginou que isto pudesse acontecer. E, ironicamente, o declínio
mais acentuado coincidiu com um momento de certo júbilo, quando a pesca de
cerco à sardinha em Portugal recebeu um selo internacional de actividade
sustentável. Em 2010, data da certificação atribuída pela Marine
Stewardship Council, a frota portuguesa pescou 64 mil toneladas de
sardinhas.
No ano
seguinte, porém, o Conselho Internacional para a Exploração do Mar – uma
organização intergovernamental que avalia periodicamente os recursos de pesca –
alertou para a precária situação do stock ibérico de sardinha
e sugeriu um corte radical nas capturas, para a metade.
O selo
de sustentabilidade do MSC foi suspenso e em Portugal soaram todos os alarmes.
Em 2012, o Governo determinou paragens obrigatórias das traineiras entre
Janeiro e Abril e impôs limites de desembarques de sardinhas para resto do ano.
Além disso, avançou com um plano de gestão, fixando uma regra para determinar
quantos peixes poderiam ser capturados, em função do estado do stock.
Sob este
controlo, a pesca da sardinha em Portugal caiu para 32 mil toneladas em 2012,
28 mil em 2013 e apenas 16 mil em 2014.
O que
vem nas redes é um fraco termómetro para avaliar o que se passa com a sardinha.
O que mais importa não são tanto os peixes adultos que são capturados, mas a
quantidade de jovens, com menos de um ano, que está debaixo de água. São um
indicador do sucesso ou insucesso da última época de reprodução, antecipando o
que vai acontecer à concentração de sardinhas nos anos seguintes.
Nada
deixa os investigadores do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA)
mais ansiosos do que um gráfico que mostra, ano a ano, esta evolução. Nele
surgem alguns picos esporádicos, seguidos de alguns anos com níveis mais
baixos. É um ciclo natural, que ocorre em intervalos de quatro a cinco anos.
“Tem de haver esses picos de recrutamento, para a população se manter”, explica
o biólogo Miguel Santos, do Departamento do Mar e dos Recursos Marinhos do
IPMA.
Mas as
coisas não estão a correr bem. Desde 1978, os picos têm sido progressivamente
menores. E o último deles ocorreu em 2004. Já lá vai uma década sem a entrada
de uma multidão expressiva de peixes juvenis nostock ibérico da
sardinha, que por isso tem vindo a minguar. Por cada quatro sardinhas no mar em
2006, havia uma em 2012.
Há
definitivamente algo de errado na reprodução da espécie, e os cientistas têm-se
esforçado para explicar porquê. Há cerca de quinze anos, Miguel Santos e outros
investigadores do IPMA identificaram uma relação entre ventos mais intensos na
costa no Inverno e os baixos níveis de recrutamento observados também nos anos
1990. No Verão, a nortada é benéfica para a sardinha. Provoca um afloramento de
águas frias e carregadas de nutrientes do fundo do mar e os peixes
banqueteiam-se neste festim. Mas se ocorre no Inverno, coincide com a época de
reprodução e acaba por dispersar os ovos e larvas, tornando mais difícil a sua
sobrevivência.
Trabalhos
mais recentes apontam outros factores. Um estudo de 2013, de investigadores do
IPMA e da Universidade da Califórnia, sugere uma relação entre o declínio da
sardinha e a abundância da cavala na costa portuguesa. Parte da explicação é
ambiental e está relacionada com o aumento da temperatura do mar nas últimas
décadas. Águas mais quentes não são boas para a reprodução da sardinha. Mas são
mais atraentes para a cavala, uma espécie subtropical que está em expansão para
norte.
Também
há razões biológicas. As larvas e juvenis de ambas as espécies competem pelo
zooplâncton, o seu alimento. E ambas predam-se mutuamente, com vantagem para a
cavala, que, além dos ovos, alimenta-se também de juvenis de sardinhas. Outro
detalhe: a sardinha tem comportamentos canibalísticos e come os seus próprios
ovos no Inverno, quando há menos alimento disponível.
A pesca
é o factor humano a pesar sobre essas flutuações naturais. Em momentos de baixo
sucesso reprodutivo, capturas elevadas podem ser desastrosas. E foi isso o que
aconteceu recentemente. “O declínio não começou com as pescas. Mas nos últimos
anos pode ter havido potencialmente situações de excesso”, afirma a
investigadora Alexandra Silva, também do IPMA.
Os
números apontam neste sentido. A taxa de exploração da pesca da sardinha – ou
seja, a proporção da biomassa existente que é capturada – subiu de 17% em 2006
para 44% em 2010 e permaneceu perto desse nível durante três anos, quando a
quantidade de sardinhas no mar estava no seu valor mais baixo desde 1978.
“Estávamos
a matar as galinhas no galinheiro, sem lá pôr novas”, afirma o secretário de
Estado do Mar, Manuel Pinto de Abreu. “Andámos a depauperar ostock”,
completa, sugerindo que os pescadores olhem agora para outras espécies, como o carapau.
O que
todos temem é que a recuperação da população de sardinha se arraste no tempo.
Casos passados assustam, sobretudo o da Califórnia, onde os stocks de
sardinha do Pacífico colapsaram nos anos 1950 e demoraram quatro décadas a
recuperar
Por cá,
o controlo da pesca está mais apertado, mas não é perfeito. Como não há quotas
definidas pela União Europeia, o stock ibérico é gerido
directamente por Portugal e Espanha, com base no plano de gestão de 2012. Para
2014, foi definido um máximo de 20,5 mil toneladas de capturas para ambos os
países. Mas o ano fechou com 28 mil toneladas.
Em
Portugal, a pesca tem vindo a ser limitada por despachos governamentais que
atribuem quotas periódicas para cada organização de produtores. Em Setembro do
ano passado, já estavam todas esgotadas e a pesca encerrou mais cedo.
Este
ano, algumas organizações também esgotaram mais cedo a sua primeira quota, até
Maio. Agora, até ao final de Outubro, poderão pescar mais 9000 toneladas.
“Nós
reconhecemos que o recurso tem um problema. Há dez anos, um barco trazia dez,
quinze toneladas de sardinha. Agora, estamos a trabalhar com duas toneladas”,
diz Miguel Cardoso, presidente da Olhãopesca, a organização de produtores do
Sotavento algarvio, à qual estão vinculadas 25 embarcações. “Isto é reconhecido
pelo sector. Agora, consideramos que estão a ser precaucionaristas demais”,
completa.
“Nós
gostaríamos de pescar mais, mas sabemos que é uma exigência que não é boa para
o recurso”, afirma Agostinho Mata, da Propeixe, a cooperativa do Norte que
responde por 35% da pesca da sardinha em Portugal.
A
consciência que o sector está a demonstrar agrada a Gonçalo Carvalho, da
Pong-Pesca, uma plataforma de organizações não-governamentais portuguesas para
as pescas. “A situação é extremamente grave. Claramente temos de pescar menos
sardinha”, refere Carvalho, sugerindo que nos santos populares se abdique um
pouco da espécie, em favor de outros peixes, como a cavala e o carapau. “É uma
recomendação que tenho feito aos meus familiares, quando me perguntam se devem
comer sardinha”, afirma.
Por ora,
a cavala está a ser uma alternativa complementar para parte das 181 embarcações
de cerco em Portugal. “Antes, passavam por cima de um cardume de cavala e não
largavam [a rede]. Agora largam sempre”, diz Agostinho Mata.
Mas o rendimento não é o mesmo do que o da sardinha. Nos últimos seis anos, preço médio da cavala nas lotas esteve entre 0,20 e 0,32 euros o quilo. Para o carapau, a média baixou de 1,71 euros em 2011 para 1,05 em 2014. Já a sardinha tem vindo sempre a subir, disparando para 2,00 euros no ano passado. Em Junho, nas vésperas do Santo António o valor andou acima dos 4,00 euros e no São João subiu para mais de 11,00 euros.
Mas o rendimento não é o mesmo do que o da sardinha. Nos últimos seis anos, preço médio da cavala nas lotas esteve entre 0,20 e 0,32 euros o quilo. Para o carapau, a média baixou de 1,71 euros em 2011 para 1,05 em 2014. Já a sardinha tem vindo sempre a subir, disparando para 2,00 euros no ano passado. Em Junho, nas vésperas do Santo António o valor andou acima dos 4,00 euros e no São João subiu para mais de 11,00 euros.
O preço
está a amenizar a queda no rendimento da pesca da sardinha. Mas é uma faca de
dois gumes. “Um português não vai comprar sardinha cara, vai comprar frango”,
afirma Agostinho Mata. “A cultura da sardinha barata pode perder-se”.
Tudo
pode mudar se os peixes regressarem em força à costa portuguesa. Os números
mostram uma tímida recuperação desde 2012. Mas não se sabe ainda se o pior já
passou. “É cedo para dizer. Pelo menos a biomassa não está a baixar mais. O
controlo da captura tem contribuído para isso”, avalia Alexandra Silva.
“Estou
convencido de que a sardinha vai sair desta crise”, acredita Henrique Cabral,
director do centro de investigação Mare, com cientistas de seis universidades
portuguesas. Em relação a outras espécies, explica Cabral, a sardinha tem a
vantagem de possuir um ciclo de vida curto, chegando rapidamente à idade
reprodutora. Uma pescada, por exemplo, pode levar dez anos até atingir este
ponto.
“Há
sinais de que o recurso está a recuperar. Há muita petinga nos estuários, nas
embocaduras.”, afirma Miguel Cardoso, da Olhãopesca. Mas Miguel Santos, do
IPMA, alerta para falsos sinais: “Em períodos em que há pouca sardinha, a
espécie tende a concentrar-se. Dá uma falsa sensação de abundância”.
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