Descíamos do
calçadão da avenida pela escadarias de pedra, domínio dos marítimos, transpúnhamos
as pedras escurecidas pela acumulação da patine das marés, tentando agarrar
algum “arranha-camisas” desprevenido só para lhe arrancar as patas, e atravessávamos a vau, na baixa-mar -
mais ou menos em frente à actual entrada para o porto de pesca - evitando os
buracos mais fundos mas atentos à vida marinha que se escapava lestamente à
nossa aproximação.
Do outro lado, o
enorme areal misturado com lodo exibia os buracos dos caranguejos “boca-cava-terra”
(Uca tangeri), dividido em fracções pelos cabos de amarração dos botes e
lanchas que naquele estuário tinham o seu porto de abrigo – eram como linhas
divisórias de nylon verde, escurecidas pela acumulação de pequenas algas da
mesma cor.
E quando a maré ia
alta atravessávamos no bote a remos dos irmãos "ranhuças": o Armindo, o Vicente, e do terceiro não sei o nome. Para que o remador não suspeitasse que não pagaríamos a viagem confirmávamos o
custo, mostrando a moeda de um escudo. Por vezes, quando íamos em grupo, não
pagávamos, saltávamos para terra sem aguardar o pedido do pagamento devido ao incansável
remador. Era um imperativo de esperteza, mostrar aos camaradas que se sabia ser
ludibriador e desenrascado, ou que não se tinha uma moeda e
aquilo que se mostrara ao barqueiro, à distância, não era mais do que uma
carica espalmada de alguma velha e artesanal pandeireta.
À volta, já sabíamos
que se estivesse de serviço o mesmo remador, não nos deixaria entrar na barca e
então a alternativa era nadar ou, para os menos afoitos, o percurso longo do
caminho até à estação da CP, ou atalhando pelo estaleiro, onde invariavelmente se acabava por
dedicar algum tempo a apreciar as obras de reparação e, mais frequentemente, a
admirar a morte lenta dos barcos de pesca ali encalhados à espera da podridão.
Essa alternativa caminhante nem sempre era penosa, sendo, até, algumas vezes proveitosa, no içar furtivo das joeiras que, amarradas aos varões das guardas da ponte, armadilhavam saborosos caranguejos. Enquanto o seu dono tomava uns copos na venda ali próxima, no outro lado da avenida, nós enchíamos um saco ou uma camiseta, com os estrebuchantes caranguejos avermelhados.
Era a ida à Meia Praia e o regresso à cidade, num pedacinho de paraíso da nossa juventude.
Essa alternativa caminhante nem sempre era penosa, sendo, até, algumas vezes proveitosa, no içar furtivo das joeiras que, amarradas aos varões das guardas da ponte, armadilhavam saborosos caranguejos. Enquanto o seu dono tomava uns copos na venda ali próxima, no outro lado da avenida, nós enchíamos um saco ou uma camiseta, com os estrebuchantes caranguejos avermelhados.
Era a ida à Meia Praia e o regresso à cidade, num pedacinho de paraíso da nossa juventude.
travessia do rio de Lagos (Ribeira de Bensafrim) em finais dos anos 70, com o barqueiro mudo Vicente (?) "ranhuça" |
travessia do rio de Lagos (Ribeira de Bensafrim), em 2015 |
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