Alforreca era o nome do pequeno veleiro de 21 pés que reunia
as quatro jovens esposas dos indefectíveis navegadores lacobrigenses que aos
fins-de-semana cruzavam as águas da magnífica baía de Lagos.
A eles reunia-os o chamamento do mar, do prazer da vela e,
claro está, do convívio masculino temperado por apreciados líquidos voláteis
que nada deviam à massa fluída onde navegavam.
Para elas o motivo era idêntico mas os inflamantes líquidos
eram substituídos pelo desejo de afirmar a independência feminina e vingar a
repetida ausência dos homens, durante esses inúmeros fins-de-semana náuticos.
Claro que as movia, também, a intenção de espicaçar os consortes, a quem
apelidavam de marujos de sequeiro, mais interessados nas “mines” de abertura
fácil e nas conversas fúteis de machos latinos, do que nas artes de velejar.
Eis, pois, as “alforrecas” vogando nas águas da baía com a
graciosidade que o seu género evoca e o elegante veleiro potencia, preparadas
para aplicar as suas urticantes ferroadas nos desvalidos marujos embarcados no soberbo
veleiro “Poeta”, de 45 pés de comprimento.
Dada a largada ao som da buzina instalada na ponta do cais
da Solaria, junto ao mastro provisório de sinalização, aí vão as alforrecas
manobrando habilmente o barco, juntando as suas velas às outras dezenas que
salpicam de triângulos alvos a imensa baía azul.
E ali vão todos, às dezenas, bolinando o nordeste rumo a Alvor.
À perícia delas juntam-se as instruções de um antigo e
experiente velejador que acompanha a regata no seu escaler a motor e lhes vai
transmitindo instruções e advertências breves através de um canal de rádio
combinado. Quem estivesse à escuta naquela frequência poderia ouvir, por
exemplo, uma indicação que foi repetida várias vezes: - Vá lá meninas, levantem
a saia da genoa que está torcida sobre o varandim… olhem a saia… levantem a
saia. Entre outras instruções variadas.
Com o desenrolar da prova, e tal como esperado e desejado
pelas gráceis navegadoras, o “Poeta” foi ficando para trás, na esteira de
vários barcos que largaram melhor ou facilmente o alcançaram.
Finalizada a regata e chegando o “Poeta” nove posições
abaixo do “Alforreca”, que terminara entre os primeiros, logo se ouve pelo VHF
a seguinte mensagem emitida pelo “Alforreca”:
- Viva o “Alforreca”!
- As alforrecas são as maiores!
- Então, e o “Poeta”, perdeu o pio? Já não têm poemas para
declamar?
Após dois minutos de silêncio, ouve-se através das mesmas
ondas hertzianas, numa voz grossa, soluçante e entaramelada, a seguinte
mensagem:
- Alforreca, hic… Al…forreca… levanta a saia…hic… e baixa a cu…cueca…
hic…!
Consta que ambos os veleiros têm continuado a participar em
regatas pelos mares do Algarve, mas respeitando sempre um estratégico silêncio
radiofónico.
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